sexta-feira, 13 de abril de 2012

O homem que dava presentes

    Não sabem de onde veio o intruso. Apareceu de surpresa no campo de treino do clube. Quando iam expulsá-lo, disse com firmeza: “Eu dou gols”.
    O velho treinador percebeu a verdade e frieza dos seus olhos e lhe deu a camisa que há muito guardava. A 10.
    Uma hora depois os jogadores e alguns torcedores mal podiam falar. Incrédulos, nunca haviam visto tantos gols em um treino.
    O homem frio não tem amigos nem família. Onde chega, instala-se em um pequeno quarto de pensão. Seu dia-a-dia é de silêncio e vazio, não fosse um detalhe. Não fosse a única razão que ainda o faz respirar. Um objeto, uma arte. A bola e sua capacidade para colocá-la onde quer. Um “onde” solidário: sempre o pé ou cabeça de um companheiro. Cada passe ou lançamento, meio gol. Doces presentes do homem que não sorri. Entregas precisas do “carteiro do gol”, como lhe apelidou um veterano jornalista de mais uma cidadezinha perdida por onde ele vaga.
    O homem que oferece gols logo garante vitórias, muitas. Logo vira ídolo, mas nada o faz extravasar. Nada de vibrar com os parceiros ou tirar uma dos rivais. Nenhum mínimo gesto de comemoração, como se fosse um mero carrasco a cumprir sua obrigação e sina.
    Não é sina. É promessa.
    Terminada a decisão do campeonato – campeão, claro – sacou aquele par de chuteiras mortais, pediu de lembrança o uniforme do clube e deu sua segunda declaração em toda a temporada: “Adeus, amigos”.
    Por que vai embora, maestro? Por que não fica?, atreveu-se a perguntar o menino que desandou a fazer gols graças ao 10 brilhante.
    “Minha esposa me pediu, antes de morrer: Faça a alegria das torcidas. Semeie gols, meu querido”.
    Olhou para o garoto, deu um leve aceno de cabeça honroso e partiu. Porque nada era maior que seu amor pela esposa falecida. Nem o futebol.    Poucos dias depois, o garoto que aprendeu a fazer gols com o 10 ganhou de presente do velho jornalista a foto da matéria que não teve coragem de escrever. O 10 em seu quarto modesto de pensão. Dezenas de camisas de futebol estendidas na cama e um homem ajoelhado ao lado delas, de frente à foto de uma bela mulher.
    “Sabe o que ele disse enquanto rezava, garoto?”
    O menino, vidrado, arrepiou-se todo.
    “Disse exatamente isso: Tem mais uma torcida alegre hoje, moça. Já cumpri minha missão, certinho como você me pediu. E sabe que nunca vi um cara fazer gols tão bonitos com meus passes?! É um garoto. Podia ser nosso filho, ele tem a arte do pai e a sua alegria e beleza nos olhos. Esse tem amor e futebol nos pés, querida. Espero que nunca mude seu coração de goleador apaixonado.”

    “Não mudarei, mestre, não mudarei.”
    Nascia então outra lenda, a do menino que fazia gols como se estivesse fazendo amor.

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