sexta-feira, 13 de abril de 2012

Não eram apenas meninos

   Pequeno mas valente, no saudoso mundo dos campinhos de terra da infância ele descobriu o poder do grito. Aquele mais belo, do fundo do peito, que só os meninos com muito amor à bola e à batalha conseguem emitir. O grito que anima.    O brado urgente surgiu em sua vida após não suportar a cabeça baixa e falta de reação dos colegas durante a final do campeonato do bairro; e logo no dia em que seu pai conseguiu uma liberação do trabalho para ver o filho jogar pela primeira vez.
    Certos momentos são decisivos. Mudam destinos e vidas. Separam gente comum, que atravessará a vida sem causar impacto, das raras classes de pessoas marcantes, inspiradoras.
    35 minutos do segundo tempo é um momento já longe demais, especialmente em uma decisão. Por isso os companheiros de Diego abaixaram a cabeça ao verem a bola no fundo do gol que defendiam. Estavam derrotados.
    Eram apenas meninos. Não possuíam ainda aquela força misteriosa que gente grande tira de não se sabe onde para dar a volta por cima.
Só que não eram meninos comuns.
Não eram apenas companheiros a defender uma camisa.
    Eram amigos. Amigos com uma intensidade e promessa que os adultos um dia esquecem: “amigos para sempre”. Amigos forjados nas conversas à beira da calçada, nos sonhos e paixões compartilhadas diariamente nesse tempo mágico em que ainda temos tempo para quem realmente importa: a infância.
    Amigos dessa coisa imensa que é um time de futebol criado por um grupo de garotos pobres. Um time que não é apenas um conjunto de camisas compradas numa loja qualquer, mas sim um manto trabalhado com afeto por suas mães. Mães que encontraram tempo - depois de trabalhar o dia todo, cuidar da janta e botar seus meninos pra dormir e sonhar - para costurarem um símbolo, um número e o nome de seus filhos nessas camisas amadas.
    Os nomes nas camisas, fato raro naqueles tempos, foi a primeira coisa que Diego olhou. Os nomes de seus irmãos. Nomes encurvados junto daquelas costas e cabeças abaixadas. Foi então que lembrou das duas imagens mais bonitas que vira na vida: a primeira, da mãe dormindo sorrindo sentada na cadeira, linha de costura e camisa agarrada na mão cheia de calos e carinho; linha de costura e agulha espetada na última letra de seu nome, um “O” de Diego. A segunda imagem foi o rosto iluminado e orgulhoso de seus amigos quando todos se encontraram pela primeira vez, para o primeiro jogo em que puderam defender as camisas praticamente feitas por suas mães.
    Por todos esses sentimentos e lembranças, Diego pegou a bola do fundo do gol, levantou seu goleiro e então gritou.
    Gritou com cada um.
    Não foram gritos de acusação ou raiva, e sim de dor, amor e vontade. Do verbo vital que habita a alma dos lutadores e verdadeiros capitães: o verbo animar.
    Foram gritos de família, aquela inesquecível que é forjada nos campinhos da vida e da infância.
    Foram gritos acompanhados de veias ressaltadas em cada músculo da face, braços, peito e corpo todo.
    Foram gritos que semearam, com todas as forças, um sentimento poderoso chamado acreditar.
    Depois daquilo, os menos de dez minutos viraram uma vida.
    Viraram uma daquelas raras recordações que jamais serão apagadas naqueles meninos heroicos.
    Os gritos da virada; cheios de terra, sangue e da alegria mais bela que aqueles meninos, seus pais e mães poderiam sentir.
    A alegria de vencer com o mais puro e verdadeiro amor à camisa.

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