Não
era só um goleiro.
Era
o guardião final das esperanças da Seleção Brasileira de voltar a ser campeã do
mundo, após duas décadas de fracassos.
Homem
exemplar. Controlado, sereno. Caráter elevado, imune a ataques pessoais. Cláudio
Taffarel, um dos goleiros mais atacados pela
crítica em sua passagem pela camisa 1 do país, suportava tudo calado, sem
brigas. O coração era bom demais para pensar em revanche.
Respondia
no campo. Porque ele pode ter falhado em sua carreira, em clássicos entre seu
Inter e o Grêmio, e em jogos da Seleção. Mas quando se tratava da tarefa máxima
de qualquer atleta, era inatacável: foi sempre goleiro de Copa do Mundo.
Assim
foi nas Copas de 1990, 94 e 98, com um fantástico saldo de um título mundial,
um vice e aquela eliminação triste em sua primeira Copa, em que não teve a
mínima culpa na equipe montada por Sebastião Lazaroni. E, ainda em 1990, abre
as portas do futebol europeu, fato raríssimo para um goleiro brasileiro, ao ser
contratado pelo Parma italiano.
Estados
Unidos, 1994. Depois de 24 anos sem levantar a Copa do Mundo, veio o tetra
comandado por Romário. Verdadeiro assassino da grande área, no melhor momento
de sua carreira, o Baixinho foi o grande artífice da conquista que redimiu o
futebol brasileiro (não para os amantes do esporte, pois o título veio com
aquele futebolzinho “eficiente”, mas chato e feio do técnico Parreira). Só que
Romário passou em branco na final, contra a Itália. Não conseguiu dar uma
derradeira e decisiva estocada.
O
Brasil só ganharia essa Copa nos pênaltis. Tá, o artilheiro converteu o seu,
mas a missão mais dura ficou nas mãos de Taffarel. Aquele que fora taxado de
frangueiro por muitos (resultado de falhas como as da Copa América de 93,
contra o Uruguai, ou nas eliminatórias para a Copa de 94, frente à Bolívia). E
que, para muitos, não havia sido um goleiro provado na Copa dos Estados Unidos,
graças à fragilidade dos adversários e à segurança da impecável zaga formada
por Aldair e Márcio Santos.
Taffarel
não falhou quando mais se precisou dele. Defendeu um pênalti na disputa final contra
a Itália. Foi o último a brilhar no grupo que trouxe o tetra. Para muitos foi o
herói daquela decisão. Mas ele nunca quis isso. Quando Baggio partiu para bater
o quinto e último pênalti da Itália, Taffarel não queria defender e tornar-se o
grande herói. Preferia que o italiano chutasse pra fora. Por quê? “Se eu
defendesse mais um pênalti, talvez fosse considerado o único herói daquela
história. Como Baggio mandou a bola por cima do travessão, o heroísmo foi de
todos”, disse o goleiro a um programa da Rede Globo exibido em 2004,
comemorando os dez anos do Tetra.
1998.
Quatro anos depois, ele joga na França sua terceira Copa do Mundo seguida,
façanha inédita para um goleiro brasileiro. E protagoniza o grande momento da
Seleção na Copa. A dramática semifinal contra a Holanda. No tempo normal faz
milagres em chutes à queima-roupa de Kluivert e Bergkamp. Depois, mais uma vez,
os pênaltis. E mais uma vez, o brilho de Taffarel. Defende duas cobranças e,
vibrando muito, grita na noite da bela Marselha: “Não fui eu. Foi Deus”.
Foi
você, Taffarel, protetor humilde da nossa grande área.
2003.
De repente, o fim. Só mesmo um homem sereno, de grandes convicções e avesso aos
holofotes pode encerrar a carreira como Taffarel. Ele está em uma tranqüila
estrada italiana, sozinho em seu carro, dirigindo para o treino de seu clube, o
Parma, quando resolve voltar para trás, para sua casa na Itália. Telefona para
o clube e avisa que está abandonando o futebol. Pressentimento ? Destino? Não,
apenas resolve, aos 37 anos, que já basta. “Não quero partida de despedida,
nada disso. Não creio que seja importante. A despedida que tive foi um jantar
que me fizeram meus amigos de Parma. Isso é o que levarei do futebol, as
amizades eu fiz no mundo todo”, declarou Taffarel poucos dias depois.
Assim
terminou a carreira do goleiro que conquistou o mundo com seu arrojo e
segurança na hora mais importante, a Copa do Mundo. Pouco se falou na imprensa
de sua despedida dos campos. Raras colunas e reportagens especiais foram
escritas. Talvez porque não fosse figura de grandes declarações e polêmicas.
Talvez
porque realmente fosse diferente, como acreditou numa noite mágica da Riviera
francesa.
Faltaram
então palavras para explicar um goleiro e homem que tinha asas.
(Publicado em meu último livro, Heróis do Esporte, Heróis da Vida)