Filadélfia,
EUA, anos 70. Mickey é o veterano treinador que percebe o potencial de um
trabalhador braçal, um jovem ignorante que é, porém, um colosso de coração e
capacidade de lutar. É em seu humilde templo, um velho ginásio na parte pobre
da cidade, que o homem de cabeça branca se esforça para extrair campeões dos
mais brutos diamantes. E não há nada mais bruto em seu pequeno e judiado gym
que o pacato leão de chácara, pedreiro, açougueiro, o faz tudo Balboa. Com uma
dedicação, olho e atenção só encontradas em treinadores que são mestres, Mickey
vai transformar um mero enfiador de porradas no maior peso pesado do boxe mundial. Porque Mickey
conhece todas as artes da nobre arte. Porque Mickey sabe quão longa e dura é a
estrada. Porque Mickey não troca seu velho ginásio escondido no segundo andar
de um predinho surrado por nenhum espaço maior, mais arejado e moderno.
É ali,
após vencer a penitência inicial e simbólica da longa escadaria que dá acesso
ao ginásio e ringue, que os sonhadores mais miseráveis sonham glórias só
possíveis na imaginação de crianças ultra-inocentes.
Foi em
lugares similares, como o ringue do Ibirapuera, em São Paulo, que o brasileiro Antonio Carollo construiu
sua carreira. A carreira que foi sua vida. Mais vitorioso treinador da história
do boxe brasileiro, Carollo foi o homem que treinou o único medalhista olímpico
que o Brasil já teve, Servílio de Oliveira (México, 1968) e ainda o guia
responsável por nosso primeiro campeão mundial, o mesmo Servílio. Carollo
esteve também em mais 4 olimpíadas e treinou um certo Acelino de Freitas, o
Popó, o talvez melhor ou mais vencedor boxeador que o Brasil já teve, mais de
uma vez campeão mundial.
Carollo
partiu aos 87 anos, este mês, e a repercussão na mídia resumiu-se a breves
notas em alguns jornais e sites. Saber mais sobre ele só foi possível
pesquisando no youtube, em especial numa velha e bela reportagem do programa
Viver e Conviver, e numa homenagem recente de uma produtora de vídeo. A grande
mídia, que dá espaços enormes para as baladas, sacanagens, cortes de cabelo
mudados e até estilo (na verdade, falta de...) dos jogadores de futebol, não
foi capaz de fazer uma reportagem à altura de um homem que deu sua vida ao
esporte e sociedade brasileira.
Sociedade, sim, pois Antonio Carollo, além de
treinador, foi tutor, amigo e pai de muitos jovens que tomaram um rumo na vida,
ou tornaram-se cidadãos, graças aos seus ensinamentos e sentimentos.
Sentimentos
que exalavam de Carollo a cada treino, a cada gesto, a cada conversa.
Sentimentos de apoio, de atenção total,
de cuidado, de palavras, mãos e corpo todo essenciais simulando os golpes e
movimentos perfeitos do boxe. Essenciais pois eram a sua voz e gestos os mais
valiosos guias. Um acompanhamento minucioso de professor que orienta e
transforma. De mestre que sabe todos os caminhos que levam à lona, nos ringues
e na vida.
Difícil
não ficarmos tocados com as imagens do vídeo a seguir, com Carollo, na época
com 83 anos, participando dos treinos, comandando tanto os exercícios de
aquecimento como os golpes que ele desenhava sobre o ringue com a precisão de
um Senhor Myagi das luvas. Difícil não sentirmos falta, mesmo naqueles que não
o conheceram, da simpatia que ele exalava fora do quadrado de luta, o seu
carinho de mestre que foi a estrela a conduzir tantos lutadores. Difícil não
perceber o respeito que ele tinha pelo esporte e arte que amava. Um esporte,
sim, brutal, mas que ele tornava mais humano e elegante porque sabia ensinar
com cuidado.
Difícil
não dar um vazio no peito ao descobrir que um Senhor maiúsculo assim foi embora
sem ser reverenciado e homenageado como devia.
Mas
talvez ele quisesse dessa forma. Talvez ele tenha preferido ficar escondido em
pequenos ginásios, e num esporte cada vez menos popular no Brasil e no mundo
como o boxe em tempos de MMA.
Antonio “Mickey” Carollo não parecia ser um
homem atrás dos holofotes da fama. Como toda estrela de verdade, esse treinador
contentava-se com um papel e missão
maravilhosa: iluminar o coração e a carreira de seus aprendizes. E quantos
campeões e homens ele formou com sua luzinha mágica chamada vontade e abnegação
para ensinar. Um ensino que era amor, tão transparente em cada atitude dele.
Pobre
do país que não preserva o legado de seus pequenos grandes mestres, pessoas
muitas vezes tão extraordinárias como os mais fabulosos campeões.
Obrigado,
Carollo, por nos lembrar que ensinar é algo belo, mágico e sagrado.
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