quinta-feira, 1 de março de 2012

Antonio Carollo – Por que devemos tanto ao Mickey brasileiro

     Filadélfia, EUA, anos 70. Mickey é o veterano treinador que percebe o potencial de um trabalhador braçal, um jovem ignorante que é, porém, um colosso de coração e capacidade de lutar. É em seu humilde templo, um velho ginásio na parte pobre da cidade, que o homem de cabeça branca se esforça para extrair campeões dos mais brutos diamantes. E não há nada mais bruto em seu pequeno e judiado gym que o pacato leão de chácara, pedreiro, açougueiro, o faz tudo Balboa. Com uma dedicação, olho e atenção só encontradas em treinadores que são mestres, Mickey vai transformar um mero enfiador de porradas no maior  peso pesado do boxe mundial. Porque Mickey conhece todas as artes da nobre arte. Porque Mickey sabe quão longa e dura é a estrada. Porque Mickey não troca seu velho ginásio escondido no segundo andar de um predinho surrado por nenhum espaço maior, mais arejado e moderno. 
     É ali, após vencer a penitência inicial e simbólica da longa escadaria que dá acesso ao ginásio e ringue, que os sonhadores mais miseráveis sonham glórias só possíveis na imaginação de crianças ultra-inocentes.
     Foi em lugares similares, como o ringue do Ibirapuera, em São Paulo,  que o brasileiro Antonio Carollo construiu sua carreira. A carreira que foi sua vida. Mais vitorioso treinador da história do boxe brasileiro, Carollo foi o homem que treinou o único medalhista olímpico que o Brasil já teve, Servílio de Oliveira (México, 1968) e ainda o guia responsável por nosso primeiro campeão mundial, o mesmo Servílio. Carollo esteve também em mais 4 olimpíadas e treinou um certo Acelino de Freitas, o Popó, o talvez melhor ou mais vencedor boxeador que o Brasil já teve, mais de uma vez campeão mundial.
     Carollo partiu aos 87 anos, este mês, e a repercussão na mídia resumiu-se a breves notas em alguns jornais e sites. Saber mais sobre ele só foi possível pesquisando no youtube, em especial numa velha e bela reportagem do programa Viver e Conviver, e numa homenagem recente de uma produtora de vídeo. A grande mídia, que dá espaços enormes para as baladas, sacanagens, cortes de cabelo mudados e até estilo (na verdade, falta de...) dos jogadores de futebol, não foi capaz de fazer uma reportagem à altura de um homem que deu sua vida ao esporte e sociedade brasileira. 
     Sociedade, sim, pois Antonio Carollo, além de treinador, foi tutor, amigo e pai de muitos jovens que tomaram um rumo na vida, ou tornaram-se cidadãos, graças aos seus ensinamentos e sentimentos.
     Sentimentos que exalavam de Carollo a cada treino, a cada gesto, a cada conversa. Sentimentos  de apoio, de atenção total, de cuidado, de palavras, mãos e corpo todo essenciais simulando os golpes e movimentos perfeitos do boxe. Essenciais pois eram a sua voz e gestos os mais valiosos guias. Um acompanhamento minucioso de professor que orienta e transforma. De mestre que sabe todos os caminhos que levam à lona, nos ringues e na vida.
     Difícil não ficarmos tocados com as imagens do vídeo a seguir, com Carollo, na época com 83 anos, participando dos treinos, comandando tanto os exercícios de aquecimento como os golpes que ele desenhava sobre o ringue com a precisão de um Senhor Myagi das luvas. Difícil não sentirmos falta, mesmo naqueles que não o conheceram, da simpatia que ele exalava fora do quadrado de luta, o seu carinho de mestre que foi a estrela a conduzir tantos lutadores. Difícil não perceber o respeito que ele tinha pelo esporte e arte que amava. Um esporte, sim, brutal, mas que ele tornava mais humano e elegante porque sabia ensinar com cuidado.
     Difícil não dar um vazio no peito ao descobrir que um Senhor maiúsculo assim foi embora sem ser reverenciado e homenageado como devia.
     Mas talvez ele quisesse dessa forma. Talvez ele tenha preferido ficar escondido em pequenos ginásios, e num esporte cada vez menos popular no Brasil e no mundo como o boxe em tempos de MMA.
      Antonio “Mickey” Carollo não parecia ser um homem atrás dos holofotes da fama. Como toda estrela de verdade, esse treinador contentava-se com um  papel e missão maravilhosa: iluminar o coração e a carreira de seus aprendizes. E quantos campeões e homens ele formou com sua luzinha mágica chamada vontade e abnegação para ensinar. Um ensino que era amor, tão transparente em cada atitude dele.
     Pobre do país que não preserva o legado de seus pequenos grandes mestres, pessoas muitas vezes tão extraordinárias como os mais fabulosos campeões.
     Obrigado, Carollo, por nos lembrar que ensinar é algo belo, mágico e sagrado.
 

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