Não foi apenas o gol perfeito. Foi o símbolo perfeito. Ao fazer o histórico tento que o tornou o maior artilheiro da história do Barcelona, Lionel Messi usou sua exclusiva marca-máquina mortífera de balançar as redes: a velocidade, visão de jogo (para se colocar livre vindo de trás de surpresa), a ilusão (de onde ele surgiu???, perguntam-se os defensores) e o toque tão simples quanto belo por baixa da bola para encobrir o goleiro. Nada mais perfeito que entrar para a história do Barça e do esporte mundial com um maravilhosamente simples e sutil toque por cobertura. A sutileza do gênio.E reparem ainda na humildade do homem, que em vez de explodir sozinho, apenas sorriu e esperou o abraço dos companheiros. Vai, Messi, mais um recorde quebrado para o maior atleta-artista do século XXI.
A melhor explicação para
as inexplicáveis jogadas e gols espetaculares que Messi (se cuida, Pelé!) e
Neymar (legítimo sucessor de Garrincha) fizeram 4ª feira veio de um velho
artista da bola, o francês Eric Cantona, um dos maiores ídolos da história do
Manchester United. Disse Cantona sobre Messi e suas palavras cabem direitinho em
Neymar: “Messi tem um entusiasmo quase infantil pelo jogo. Os grandes jogadores
são os que têm a espontaneidade da criança.”
Quem vê Messi e
Neymar inventar dribles e toques maravilhosos na bola, tanto nas arrancadas
supersônicas como na hora de finalizar, percebe que eles são um raro caso de
supercraques com alma de moleques brincando de jogar bola na rua, quadra de
futsal ou praia. E quem os conhece no dia-a-dia dos clubes garante que eles são
os mais dedicados aos treinamentos porque simplesmente amam não só o futebol,
mas um conceito-paixão que poucos preservam no mundo adulto: “o jogar bola”. É
por isso que nas raras vezes em que a dupla não joga, eles aparecem na
arquibancada torcendo por seus companheiros ou aparecem em qualquer canto em
que há bom futebol.
A única diferença
entre os dois é a irreverência e extroversão de Neymar fora dos campos e a
timidez e jeito recluso do argentino quando não está jogando. E o menino de Barcelona
também não faz milhares de anúncios e apresentações em eventos e baladas. E,
dentro de campo, falta ainda a Neymar um teste mais duro, a inquestionável maior
dificuldade dos jogos na Europa, onde estão a grande maioria dos melhores
jogadores do planeta. Certo que ele arrebenta num campeonato duríssimo como a
Libertadores, mas ainda precisa se provar no grande palco europeu.Por outro lado, antes marrento, firuleiro e cai-cai, o santista amadureceu demais dentro e fora de campo. O dedo aí é muito de Muricy.
De resto, eles exalam
a verdadeira alegria com coragem de jogar o futebol como se deve: com arte. Uma
arte que eles transcendem a cada novo show. E que shows! Shows que vêm
revolucionando o futebol feio – de 300 volantes, muita marcação e bola na área
- comum da maioria dos clubes do planeta. O que foi a exibição de Messi contra
o Bayer Leverkussen? O que foram aquelas arrancadas e dribles de Neymar em dois
gols de placa executados num mesmo jogo? Como bem pediu o editor do Lance, a
diretoria do Santos deveria encomendar duas placas de gol de placa para o quase
gênio e colocar na Vila.
PS – Messi
está sendo o responsável maior por resgatar uma arte que andava meio
esquecida no futebol mundial: o gol por cobertura. Repararam em quantos gols
ele faz dessa forma, no que vem sendo seguido por companheiros do Barça (Xavi,
Sanchez e Iniesta fizeram gols assm há pouco) e por Neymar? Repararam que
Neymar, que já tinha um excelente chute mortal rasteiro na cara do gol, agora
também vem matando os goleiros com toques sutis por cobertura?
PS 2 - Não postei os últimos golaços da dupla, mas quem não viu não deve gostar de futebol, pois já deveria ter visto!!!!!
Mesmo sem Messi, suspenso, a arte do Barcelona não diminuiu na dura vitória contra o Sporting de Gijón, retrancadíssimo, no último sábado. O primeiro gol culé nasceu de toques rápidos envolventes e culmina com Iniesta recebendo de Adriano, em jogada típica de uma posição saudosa e esquecida pela maioria dos clubes de hoje, o ponta-esquerda.
O segundo tento é o típico golaço. Keita, jogador muito querido por Guardiola por sempre fazer o que é pedido dele e por seu altruísmo de sempre se doar pelos companheiros, na ausência de Messi, surgiu como um verdadeiro meia-atacante e colocou a bola no ângulo com um chute magistral. Chute e visão, pois reparem como ele levanta a cabeça antes de pintar o golaço.
Finalmente, o gol da misericórdia nasce dos pés desse monstro chamado Iniesta, que descobre Xavi enfiando um passe sensacional. Essa a característica dos grandes meias como Iniesta: ele não passa ou lança simplesmente, ele descobre seus companheiros com presentes, colocando-os na cara do gol. A conclusão não é menos bela e mágica. Onde muitos tentariam driblar o goleiro ou se afobariam na cara do goleiro, Xavi dá um leve toque cobrindo o arqueiro. Um toque chamado de "vaselina" pelos espanhóis. Vaselina, palavra justa, malandra, suave, fiel ao jeito sutil de um craque para definir uma jogada. Bem diferente desta palavra-conceito é a porrada ou e velocidade burra sem precisão de muitos jogadores nessa situação.
O mais humilde dos goleiros. Um homem bom e guerreiro, um atleta abandonado pelo Palmeiras quando quebrou a perna e quase encerrou a carreira. Passou meses sem receber e teve que vender quadros, uma de suas paixões, além do rock pesado, para sobreviver. O São Paulo o resgatou da miséria e quase fim precoce. Sob o comando de Telê Santana e junto de um grupo formidável e raro de jogadores de futebol de grande caráter e amigos uns dos outros, Zétti foi peça fundamental no maior São Paulo de todos os tempos. Decisivo nas duas primeiras Libertadores e Mundiais que ganhamos e também na porta de entrada para tudo isso, o Brasileirão de 1991. Mesmo sem a velocidade de um Rogério e outros arqueiros acrobatas, foi um goleiro fantástico. Tinha tanta garra e amor à sua camisa e prrofissão que conseguia levar seu corpo pesado a voos espetaculares graças ao seu amor por defender, sua meta e seus companheiros.
O que dizer de um cara que era tão querido por todos que a FIFA o perdoou rapidinho do famoso chá de coca que tomou na Bolívia antes de um jogo da seleção? Imagino o cara responsável por dar o veredito final nesse processo de doping? "Caramba, é o Zétti, só pode ser inocente!"
Zétti foi ainda o entrevistado com quem passei mais tempo em minha carreira de jornalista. Minha fira já tinha virado, duas horas de papo e ele seguia falando, me atendendo como se eu fosse da Rede Globo, com a maior atenção do mundo. A entrevista só acabou quando as luzes do CT da Barrra Funda começaram a ser apagadas e eu falei, "pô, Zétti, tá bom, valeu demais, já posso até escrever um livro sobre você".
Valeu ao Matias por resgatar essas defesas históricas, realizadas no começo da decisão da segunda Libertadores que vencemos. Depois delas o São Paulo ficou mais tranquilo e massacrou os chilenos, na até hoje maior goleada em uma final de Libertadores.
Filadélfia,
EUA, anos 70. Mickey é o veterano treinador que percebe o potencial de um
trabalhador braçal, um jovem ignorante que é, porém, um colosso de coração e
capacidade de lutar. É em seu humilde templo, um velho ginásio na parte pobre
da cidade, que o homem de cabeça branca se esforça para extrair campeões dos
mais brutos diamantes. E não há nada mais bruto em seu pequeno e judiado gym
que o pacato leão de chácara, pedreiro, açougueiro, o faz tudo Balboa. Com uma
dedicação, olho e atenção só encontradas em treinadores que são mestres, Mickey
vai transformar um mero enfiador de porradas no maior peso pesado do boxe mundial. Porque Mickey
conhece todas as artes da nobre arte. Porque Mickey sabe quão longa e dura é a
estrada. Porque Mickey não troca seu velho ginásio escondido no segundo andar
de um predinho surrado por nenhum espaço maior, mais arejado e moderno.
É ali,
após vencer a penitência inicial e simbólica da longa escadaria que dá acesso
ao ginásio e ringue, que os sonhadores mais miseráveis sonham glórias só
possíveis na imaginação de crianças ultra-inocentes.
Foi em
lugares similares, como o ringue do Ibirapuera, em São Paulo, que o brasileiro Antonio Carollo construiu
sua carreira. A carreira que foi sua vida. Mais vitorioso treinador da história
do boxe brasileiro, Carollo foi o homem que treinou o único medalhista olímpico
que o Brasil já teve, Servílio de Oliveira (México, 1968) e ainda o guia
responsável por nosso primeiro campeão mundial, o mesmo Servílio. Carollo
esteve também em mais 4 olimpíadas e treinou um certo Acelino de Freitas, o
Popó, o talvez melhor ou mais vencedor boxeador que o Brasil já teve, mais de
uma vez campeão mundial.
Carollo
partiu aos 87 anos, este mês, e a repercussão na mídia resumiu-se a breves
notas em alguns jornais e sites. Saber mais sobre ele só foi possível
pesquisando no youtube, em especial numa velha e bela reportagem do programa
Viver e Conviver, e numa homenagem recente de uma produtora de vídeo. A grande
mídia, que dá espaços enormes para as baladas, sacanagens, cortes de cabelo
mudados e até estilo (na verdade, falta de...) dos jogadores de futebol, não
foi capaz de fazer uma reportagem à altura de um homem que deu sua vida ao
esporte e sociedade brasileira.
Sociedade, sim, pois Antonio Carollo, além de
treinador, foi tutor, amigo e pai de muitos jovens que tomaram um rumo na vida,
ou tornaram-se cidadãos, graças aos seus ensinamentos e sentimentos.
Sentimentos
que exalavam de Carollo a cada treino, a cada gesto, a cada conversa.
Sentimentos de apoio, de atenção total,
de cuidado, de palavras, mãos e corpo todo essenciais simulando os golpes e
movimentos perfeitos do boxe. Essenciais pois eram a sua voz e gestos os mais
valiosos guias. Um acompanhamento minucioso de professor que orienta e
transforma. De mestre que sabe todos os caminhos que levam à lona, nos ringues
e na vida.
Difícil
não ficarmos tocados com as imagens do vídeo a seguir, com Carollo, na época
com 83 anos, participando dos treinos, comandando tanto os exercícios de
aquecimento como os golpes que ele desenhava sobre o ringue com a precisão de
um Senhor Myagi das luvas. Difícil não sentirmos falta, mesmo naqueles que não
o conheceram, da simpatia que ele exalava fora do quadrado de luta, o seu
carinho de mestre que foi a estrela a conduzir tantos lutadores. Difícil não
perceber o respeito que ele tinha pelo esporte e arte que amava. Um esporte,
sim, brutal, mas que ele tornava mais humano e elegante porque sabia ensinar
com cuidado.
Difícil
não dar um vazio no peito ao descobrir que um Senhor maiúsculo assim foi embora
sem ser reverenciado e homenageado como devia.
Mas
talvez ele quisesse dessa forma. Talvez ele tenha preferido ficar escondido em
pequenos ginásios, e num esporte cada vez menos popular no Brasil e no mundo
como o boxe em tempos de MMA.
Antonio “Mickey” Carollo não parecia ser um
homem atrás dos holofotes da fama. Como toda estrela de verdade, esse treinador
contentava-se com um papel e missão
maravilhosa: iluminar o coração e a carreira de seus aprendizes. E quantos
campeões e homens ele formou com sua luzinha mágica chamada vontade e abnegação
para ensinar. Um ensino que era amor, tão transparente em cada atitude dele.
Pobre
do país que não preserva o legado de seus pequenos grandes mestres, pessoas
muitas vezes tão extraordinárias como os mais fabulosos campeões.
Obrigado,
Carollo, por nos lembrar que ensinar é algo belo, mágico e sagrado.