segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O homem que amava o futebol


Nenhum outro amou – e ama - tanto o futebol como ele.
Nenhum outro precisou tanto do amor da torcida.
Nenhum outro precisou tanto escutar o seu nome gritado pelas torcidas e por todo um povo.
Nenhum outro fez um outro povo que não o seu torcer contra o próprio país em plena Copa do Mundo. Porque para os napolitanos do sul pobre e sofrido ele era muito mais importante e querido que a própria Itália na Copa de 1990, disputada... em plena Itália! Sim, o povo de Nápoles torceu para Maradona e sua Argentina contra a Squadra Azzurra.
Nenhum outro foi aclamado com um fervor tão profundo que por isso foi apelidado de Deus. Nem mesmo o Rei alcançou esse grau de adoração. Aliás, Pelé nunca foi amado como Maradona foi pelos argentinos e pelos napolitanos.
Poucos brasileiros entendem o que significa ser “Dios”. Preferem debochar e atacar o deus do futebol argentino. Poucos entendem como foi quase um milagre construir-se o mito Maradona ao mesmo tempo em que ele não conseguia desvencilhar-se das fraquezas do homem e menino Diego.
Sim, o Rei jogou mais. Mas não ganhou uma Copa “sozinho” como Maradona e Garrincha. E o nosso Atleta do Século não tinha que enfrentar, além dos adversários, os seus próprios demônios internos e a falta de estrutura para lidar com a fama e fortuna. E Pelé não veio de um lugar tão miserável como Diego, pois a sua Bauru da infância era muito mais digna e esperançosa que a Vila Fiorito, em Lanús, periferia de Buenos Aires. Pelé também contou com o respaldo e sabedoria de um pai e mãe muito mais preparados e educados, seu Dondinho e dona Celeste.
Quem quer conhecer a dimensão do amor de Maradona pelo futebol não pode perder o filme La Mano de Dios (está passando no Sportv), obra do cineasta italiano Marco Risi, que faz um preciso – tão belo quanto chocante e trágico – retrato da carreira do mais apaixonado futebolista de todos os tempos.
Por todo o filme vemos a mágica de Pelusa, depois Dieguito, depois Maradona e, enfim, Dios (Deus) ao longo dos anos quando sua varinha encantada, a perna esquerda, acariciava, na verdade, amava, uma bola de futebol. Mas vemos também como o gênio do futebol ia perdendo, fora dos campos, para adversários duríssimos chamados aproveitadores (entre eles, seus empresários), drogas (em especial a cocaína), putas, mafiosos e sua própria necessidade de ser sempre adorado, porque Maradona foi sempre o mesmo menino precisando de carinho e alento. Mesmo quando já consagrado como um deus dos gramados e de seu país carente de heróis no auge de sua carreira, quando a Argentina ainda vivia sob uma terrível ditadura militar, ele precisava ouvir seu nome cantado naquele irresistível “Maradô! Maradô! Maradô! Maradô!”.
Não, caros críticos de Diego, La Mano de Dios não é uma bajulação sobre ele. Pelo contrário, estão lá todas suas passagens mais terríveis com a cocaína e como isso praticamente destruiu parte importante de sua carreira. Está lá a proteção que tinha da Máfia de Nápoles, proteção que graças à sua ingenuidade no começo lhe custaria caro. Estão lá suas seguidas traições àquela que o amparou nos momentos mais duros, a namorada, depois esposa, Cláudia. Está lá a dor de não conseguir largar o vício enquanto via as filhas crescerem e ele seguir afastado de sua melhor forma no futebol. Estão lá todas as falhas e erros de um homem que, diferente do gênio dos campos, errou demais.
Está lá toda a dor de uma das cenas-chaves do filme: quando ele sai do quarto após uma crise gerada pela droga, entra na cozinha e sua filhinha está brincando com uma bexiga. Maradona pega a bola com a mão para a decepção da menina com um conselho e lei que ele mesmo um dia lhe dera e agora maculava:
- Papai, você pegou a bola com a mão.
O rosto de Maradona, por desapontar a filha, é uma das mais belas e tristes verdades de sua vida. Mas é também um dos acertos deste filme: mostrar como ele amava, e ama, suas duas meninas.
Amor. Em poucos gênios do esporte e ícones de nosso planeta e história percebemos como a mais poderosa e valiosa das palavras-sentimentos é tão verdadeira. Em todo o filme há um fio condutor vital, uma cena que se repete toda vez que Maradona se mete no poço escuro das drogas ou outras falhas: surge sua lembrança, real, de quando era menino e quase morreu sufocado e afogado num poço cartesiano cheio de barro e água em plena tempestade.
O que o menino Diego estava fazendo para cair num poço fundo é a grande pista para descobrirmos como ele amava o futebol. Seu pai tenta salvá-lo seguidas vezes mas o menino reluta em tentar ser salvo antes de conseguir encontrar o que tanto procurava.
Diego só dará a mão a seu pai depois de encontrar o que tanto lhe importava. Um objeto que foi sempre igual ao seu próprio coração.
Imaginem o que ele buscava.
Ou vejam o filme e aprendam a amar também esse homem que errou demais mas que nunca ocultou isso. Como ele mesmo disse no dia de sua despedida do Boca Juniors: “Eu errei demais na vida, mas nunca manchei a bola de futebol”. La pelota no se mancha, disse Diego antes da Bombonera quase vir abaixo emocionada.
La pelota...
Nenhum outro amou-a tanto.
Talvez por isso nenhum outro fez tantas maravilhosas misérias com ela, seja do tamanho e material que fosse. De uma laranja ou uma maçã, de uma bolinha de papel ou da bola oficial, Maradona sempre soube realizar as mais belas embaixadinhas com qualquer coisa que tivesse a forma aproximada de uma bola.
A bola que ele nunca deixava cair porque era igual ao seu coração.

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